domingo, 1 de fevereiro de 2015

Placar da mobilidade: SP 40 x 1 RJ

01/02/2015 - O Globo

SÉRGIO MAGALHÃES

O tempo das cidades tem uma certa inércia. As grandes obras de Pereira Passos foram amadurecidas nas décadas anteriores. No Quarto Centenário, o governo da Guanabara encomendou o "Plano Rio Ano 2000". Seu autor, Constantinos Doxiadis, projetou uma cidade rodoviária, expandida 40 vezes! O rodoviarismo e a ocupação extensiva também estruturaram a "nova capital" pensada no Plano Lucio Costa para a Barra da Tijuca, em 1969. Não obstante, são propostas que continuam sendo tiradas do papel.

Um plano sintetiza ideias. Ainda quando superadas, elas podem manter vitalidade se não houver nova síntese.

Neste século 21, o ideário urbanístico mudou. O mito rodoviário está em ruínas. O expansionismo é insustentável. O desejo contemporâneo é por uma cidade de bons espaços públicos e usos variados, misturada, contínua, compacta, acessível, atenta ao ambiente, à paisagem, à vizinhança, às preexistências e menos desigual. Uma cidade com serviços públicos universalizados. Uma cidade para as pessoas.

Contudo, ao mudar o paradigma, descuidamo-nos e não atualizamos nossas decisões. Veja-se o caso da mobilidade metropolitana.

Embora o Rio tenha sido muito bem estruturado urbanisticamente pelos trens suburbanos, o sistema foi abandonado, optando-se por investir em rodovias, túneis e elevados para criar novas áreas de expansão. Regiões servidas pela ferrovia perderam vitalidade e população, com prejuízo ao patrimônio material e cultural.

Privatizada a operação dos trens, sucessivos governos diziam investir na recuperação do sistema, não obstante a evidente falta de resultados. Agora, em entrevista à jornalista Flávia Oliveira, no GLOBO, o secretário de Desenvolvimento fluminense atestou: nos últimos 25 anos, o Estado de São Paulo investiu 40 bilhões de reais nos trens enquanto o Estado do Rio investiu um bilhão no seu sistema. Sim: 40 a 1.

Ora, perdemos anos cruciais para o nosso desenvolvimento (com sofrimento diário de milhões de cariocas) na ilusão de que estavam adotadas as providências necessárias — quando, comparado com São Paulo e com os oito bilhões de reais que se gasta no metrô Ipanema-Barra, o investimento nos trens do Rio não passa de um óbolo.

O desequilíbrio avulta ao se comparar investimentos e populações dos territórios servidos: no caso desse metrô, são trezentos mil habitantes (R$ 26 mil/habitante); no caso dos trens, sete milhões de moradores (R$ 142/habitante). O placar é 183 a 1.

O Rio precisa do desenho de um novo ciclo de desenvolvimento em correspondência com o ideário contemporâneo e democrático.

Sem plano, os governos buscam ideias vencidas. Sem recursos, idealizam inapropriadas soluções. O projeto do território é função de Estado. Fazer PPPs setoriais, sem plano articulador, é desconhecer que o uso do solo, a mobilidade, o saneamento e os serviços públicos são ovos da mesma cesta. É preciso cuidado entre eles.

Com 12 milhões de habitantes, o Rio é uma metrópole global. É nessa escala e nos parâmetros de hoje que seu novo desenho deve ser pensado, debatido e compartilhado.

O placar da mobilidade, do saneamento, da segurança — da boa cidade — há de melhorar. Mas o jogo é aqui, não é com outra cidade. A criação de uma Câmara Metropolitana é um primeiro passo dado pelo governo do estado. O Estatuto da Metrópole, recente lei federal, pode ajudar a institucionalizar o tema.

Está na hora. Afinal, no tempo das cidades, passado o aniversário de 450 anos, o quinto centenário já estará às portas.

Sérgio Magalhães é arquiteto

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